A reacção à criação de um serviço de correios nas colónias foi, muito ao contrário do que se poderia pensar, de aberta hostilidade e resistência. Os Assistentes do Correio-Mor nunca conseguiram ser efectivamente aceites e só foram relativamente tolerados por curtos espaços de tempo.
Contudo, essa reacção a um sistema de correios organizados não se restringiu somente ao Ultramar, pois também na Metrópole ocorreram resistências. Um exemplo característico foi o caso da Corte Arquiepiscopal de Braga, onde o Arcebispo Primaz, usando dos seus amplos poderes e autonomia, nomeou um Correio-Mor próprio em 1596. Mandou então publicar um edital pelo qual anunciava que "nenhuma pessoa de qualquer qualidade que fosse, mandasse cartas para Lisboa, Porto, Coimbra, Madrid, Medina, Tui e outros lugares deste Reino e dos de Castela e Galiza, nem para Roma, senão por ordem do dito Correio-Mor e pelos caminheiros que ele para isso fizesse, sob graves penas contra quem fizesse o contrário".[1]
Entretanto, o Cabido e Clero da Sé de Braga reagiram a essa determinação, alegando "ser em notável dano e prejuízo do clero e liberdade eclesiástica, pois se lhes tirava tratarem suas coisas e remediarem suas necessidades e acudirem as suas demandas, pela via que lhes fosse mais cómoda e menos custosa e mais segura, mandando seus criados e familiares a seus recados com menos despesa do que haviam de fazer indo por via do Correio-Mor, a quem haviam de pagar portes e caminheiros e eles os havia de mandar quando e quais quisesse".[2]
Demonstrando também assim o seu poder, obteve por isso o Cabido com estes argumentos, uma sentença favorável do Arcebispo Primaz onde se declarava "que não foi nossa intenção compreender ao nosso Cabido e Clero deste Arcebispado no edital, nem [na] provisão do Correio-Mor desta nossa cidade, pelo que podem livremente mandar seus recados por quem lhe bem vier, como dantes, como se usa nas outras cidades deste reino com as pessoas eclesiásticas nas quais há o dito ofício de Correio-Mor".[3]
Convém esclarecer ainda, antes de continuarmos com outros exemplos, que em relação aos Assistentes nomeados pelo Correio-Mor para as Ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde (já referidos no início deste capítulo), não encontramos qualquer vestígio sobre a aceitação ou actuaçäo deles naquelas possessões. Assim e também porque as outras nomeações de Assistentes dos sucessivos Correios-Mores do Reino corresponderem somente ao Brasil, serão dessa maneira enumerados todos os casos relativos às tentativas de criação do serviço de correios naquela principal colónia portuguesa.
Desta forma, em relação aos primeiros Assistentes nomeados para o Brasil e já referenciados, parece-nos que só o Assistente do Rio de Janeiro, o Alferes João Cavaleiro Cardoso, efectivou a assistência conseguindo exercer o seu cargo por algum tempo e tornando-se, muito provavelmente, no primeiro funcionário postal daquela colónia. Vimos também, que entre os argumentos apresentados por Luís Gomes da Mata, quando da sua contestação à criação do ofício de Correio-Mor do Brasil, alegava que o seu Assistente nomeado para aquela cidade havia tomado posse em 30 de Julho de 1663.[4] Assim sendo, por uma carta régia de 11 de Maio de 1669 para o Governador daquela Capitania, "sobre se conservar o ofício de Correio do Mar", ordenava o Príncipe Regente D. Pedro:
"Os Oficiais da Câmara dessa Cidade do Rio de Janeiro me deram conta por carta sua de 20 de Julho do ano passado, das dúvidas que se ofereceram o conservar o ofício de Correio do Mar da mesma cidade e porque é necessário que se vejam os autos que se processaram entre os ditos Oficiais e o Assistente que nela tem posto o Correio-Mor do Reino, em virtude do regimento e ordem minha que para isso teve: vos encomendo que mos façais remeter de registos ao meu Conselho Ultramarino, com as razoes que os Oficiais da Câmara têm contra a criação deste ofício, para mandar resolver na matéria o que fôr mais conveniente a meu serviço. Entretanto, ordenareis que se conserve o dito Assistente na posse em que está e que sirva o dito ofício."[5]
Infelizmente, parece que não houve resposta a esta carta, talvez devida à mudança de Governador ocorrida naquela Capitania em 1670.[6] Contudo, uma conclusão se poderá tirar desses factos: é que pelo menos, por cinco anos, exerceu João Cavaleiro Cardoso o seu ofício de Correio do Mar naquela cidade. Da sua biografia, sabemos que era Fidalgo da Casa Real, filho de Domingos Cavaleiro e natural de Figueiró dos Vinhos. Além disso, através do seu pedido de remuneração dos serviços prestados à Coroa, enviado ao Conselho Ultramarino em 1693:
"Consta passar à Praça de Tânger no ano de 649 e nela servir de Soldado, Cavaleiro e Alferes, 3 anos e 4 meses, e se achar nas ocasiões de guerra que se ofereceram e vindo a esta Corte, se embarcar por Alferes em o ano de 654 na armada que foi de socorro a Angola e chegando àquele reino, sentar praça com o mesmo posto e servir por espaço de dois anos, seis meses e quinze dias, procedendo assim na viagem como no dito reino com muita satisfação e valor; e passando à Bahia, se embarcar para esta Corte por Soldado na Armada Real em que se gastou três meses, sendo nela encarregado por seu préstimo de seis peças de artilharia; e em 659, se embarcar para o Rio de Janeiro em companhia de Salvador Correia de Sá e nesta viagem ter conta com a repartição das munições e chegando àquela Capitania, continuar o servindo em praça de Soldado, Alferes e Capitão da Fortaleza [de] São João da Barra por espaço de quatorze anos, dez meses e vinte e cinco dias; e passando com licença para a Bahia, servir naquela praça de Soldado e Capitão da Fortaleza [de] São Pedro por espaço de quatorze anos, seis meses e vinte e cinco dias, até 23 de Maio de 691, em que ficava continuando por patente de V. Maj. no dito posto, havendo servido na forma relatada por espaço de 33 anos, 10 meses e cinco dias interpoladamente, desde o ano de 649, em que passou à Tânger, até o de 691".[7]
Por esse relato, ficamos a saber que João Cavaleiro Cardoso permaneceu no Rio de Janeiro até por volta de 1673, servindo num posto que não poderia ser melhor para um Assistente de Correio do Mar, pois a Fortaleza de São João da Barra fica justamente ao pé do famoso morro do Pão de Açúcar, na entrada da Baía da Guanabara. Esta fortaleza, juntamente com a de Santa Cruz (localizada no outro lado da barra) controlavam todos os navios que entravam na cidade, facilitando assim o exercício do seu ofício até quando os Oficiais da Câmara o permitiram, como se poderá deduzir da carta régia atrás transcrita.
Através duma consulta do Conselho Ultramarino de 13 de Novembro de 1693, "ao Conselho parece que em satisfação dos serviços próprios que refere João Cavaleiro Cardoso, feitos no decurso de muitos anos, lhe faça V. Maj. mercê do Hábito de Cristo com vinte mil réis de pensão efectiva nas comendas que se houverem de pensionar da mesma Ordem, para a pessoa que houver de casar com uma de suas filhas,[8] qual ele nomear e de um Alvará de Lembrança de ofício de justiça ou fazenda, de lote de cinquenta mil réis, para casamento de outra também qual ele lhe parecer."[9]
[1] Godofredo Ferreira, A Corte Arquiepiscopal de Braga e os seus Correios-Mores, Lisboa, CTT, 1956, pp. 15 e 16.
[2] Idem, p. 17.
[3] Idem, pp. 20 e 21. Como vimos nas cartas e regimentos do Correio-Mor do Reino, não há qualquer cláusula que isentasse os eclesiásticos do ónus deste ofício. Assim, parece-nos tratar-se de simples suposição do Arcebispo ou de algum caso pontual ocorrido em alguma assistência do ofício no reino.
[4] Talvez devesse ser comemorada nesta data o "dia de criação” dos Correios Brasileiros e não a de 25 de Janeiro de 1663, na qual não houve qualquer acontecimento que justificasse tal escolha, sendo tudo fruto de uma equivocada e deficiente investigação sobre a história dos correios brasileiros. Esta equivocada data, teve como origem na errada citação feita por Monsenhor Pizarro e Araújo na sua famosa obra "Memórias Históricas do Rio de Janeiro" publicadas entre 1820 e 1822. Para maiores esclarecimentos ver o artigo de Cássio Costa, "O Estabelecimento dos Correios no Brasil" in Revista do Serviço Público, Rio de Janeiro, DASP, vol. 95, nº 4, Outubro/Dezembro de 1963. Sobretudo as págs. 155 a 163.
[5] AHU, códice 276, fl. 14v.
[6] Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil, vol. 3, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia e EDUSP, 10ª ed., 1981, pp. 255 e 256.
[7] AHU, códice 86, fls. 159v e 160.
[8] João Cavaleiro Cardoso tinha cinco filhas, conf. doc. supra.
[9] Doc. cit.
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