Antes de continuarmos com as  vicissitudes por que passaram os Assistentes nas colónias, convém elucidar neste  trabalho um dos casos mais curiosos da história postal luso-brasileira. Trata-se  da criação do efémero ofício de Correio-Mor de Mar e Terra do Estado do Brasil,  que não chegou a efectivar-se como veremos a seguir.
            O protagonista deste caso foi o  Bandeirante Agostinho Barbalho Bezerra, que entrou para a história quando o povo  do Rio de Janeiro se amotinou em Novembro de 1660 contra o seu Governador, o  famoso Salvador Correia de Sá e Benevides, Restaurador de Angola. Agostinho  Barbalho foi então aclamado Governador pelos revoltosos cariocas, mas os mesmos  o destituíram do cargo em Fevereiro de 1661, quando desconfiaram de que estaria  a colaborar secretamente com o Governador deposto, Salvador Correia, que naquele  tempo se encontrava em São Paulo em diligência oficial. Depois de dominada a  situação por este último, em Abril do mesmo ano de 1661, Agostinho Barbalho  dirigiu-se à metrópole para prestar contas sobre o seu papel nesses  acontecimentos.[1]
            Após ficar ilibado da  responsabilidade dos tumultos ocorridos no Rio de Janeiro, aproveitou a sua  estada em Portugal para requerer ao monarca a "satisfação de seus serviços e dos de seu  pai, Luís Barbalho Bezerra, que lhe pertencem". 
            Através duma consulta do Conselho  Ultramarino de 14 de Novembro de 1662, "Agostinho Barbalho Bezerra, Fidalgo da Casa  de V. Maj. consta, pelas certidões juradas e justificadas que apresentou, haver  servido a V. Maj. nas guerras do Brasil e fronteiras deste reino  interpoladamente quatorze anos, desde o de 633 até o presente, de Soldado,  Capitão e Cabo de Navios, achando-se no decurso deste tempo em muitas ocasiões,  assaltos e brigar com os holandeses na Campanha de Pernambuco em defesa do  Arraial do Bom Jesus na várzea do Capiberibe, no porto de Serinhaém, indo de  socorro a várias partes até ser prisioneiro de inimigo em cujo poder esteve  perto de dois anos; e sendo feito Capitão de Infantaria pelo Conde da Torre no  ano de 639, o acompanhou na empresa de Pernambuco, achando-se nas quatro  batalhas navais que teve com a armada holandesa e desembarcando em terra,  marchar pela campanha inimiga com o Mestre de Campo Luís Barbalho Bezerra, seu  pai, até à Bahia de Todos os Santos; o assinalar-se nos recontros que na jornada  houve com os holandeses, sofrendo com grande constância os trabalhos que se  passaram em acção tão perigosa e de mais de 400 léguas de caminho que durou  quatro meses.
            No ano de 641, sendo Cabo de oito  navios, acompanhou a frota até fora da barra da Bahia e passando dali ao Rio de  Janeiro em Maio de 643, quando seu pai foi governar aquela praça, se embarcou  para este reino no ano de 644, por Cabo da Frota dos Açúcares que trouxe a  salvamento. E tanto que desembarcou, passar logo a Alentejo em Outubro do mesmo  ano à sua custa, com seus criados e cavalos, achando-se em tudo o que se  ofereceu enquanto o Marquês de Torreclusa teve sitiada a praça de Elvas, até se  retirar a Badajós.
            E ultimamente consta, que estando  retirado no recôncavo da Capitania do Rio de Janeiro na ocasião em que os  moradores daquela praça depuseram do governo dela a Tomé Correia de Alvarenga, o  obrigaram com ameaças a aceitar o mesmo governo sem embargo da repugnância que a  isto fêz e de estar então na cidade, aonde se veio curar mui enfermo e de se  esconder no Convento de São Francisco, donde o povo o foi tirar e com pena da  vida, o obrigaram a aceitar a eleição que de sua pessoa tinham feito para o  governo daquela praça, no qual se houve com muita prudência e grande acerto em  tudo o que obrou, aquietando os tumultos do povo com grande risco de sua vida, o  qual correu muito perigo por seus moradores suspeitarem que ele, Agostinho  Barbalho, se carteava secretamente com Salvador Correia para o introduzir no  governo.
            E alega ir a Alentejo depois que  chegou a esta Corte e achar-se na campanha perdida deste presente ano [de 1662],  que saiu a cargo do Marquês de Marialva, em tudo o que obrou o exército até se  recolher com criados e cavalos à sua custa."[2]
            Na referida consulta, Agostinho  Barbalho ainda enumerava os vários serviços prestados por seu pai à Coroa,  havendo sido um dos principais combatentes na guerra contra a ocupação holandesa  no nordeste brasileiro. Em seguida requere como remuneração por todos esses  feitos diversas recompensas. Entre elas, constava a "de Correio-Mor do Estado do Brasil do Mar e  Terra, de propriedade, assim como o é o Correio-Mor deste Reino."[3]
            Em resposta, o Conselho Ultramarino  foi de parecer "que será muito justo e de  bom exemplo, ver-se que nas novas mercês que V. Maj. fôr servido fazer a este  pretendente, ter V. Maj. lembrança dos grandes e qualificados serviços de seu  pai, Luís Barbalho Bezerra, feitos por muitos anos com extraordinário valor e  risco e muita despesa de fazenda. E também, por este seu filho o procurar imitar  em todas as ocasiões em que se achou, como tudo fica referido e se pudera (com  verdade) declarar com mais largueza. E que assim, em primeiro lugar, lhe deve V.  Maj. fazer mercê da Ilha de Santa Catarina que pede (que terá sete ou oito  léguas de circuito), mandando-lhe passar doação dela na forma costumada, mas com  as declarações e limitações das que ultimamente se passaram a outros donatários  e das da Ordenação do Reino, por se haver entendido que as antigas se concederam  com mais largueza do que convém ao serviço de Deus e de V. Maj.  [...]
            E que também V. Maj. lhe deve fazer  mercê do cargo de Correio-Mor do Brasil, de umas Capitanias para outras, por se  entender que virá a ser de utilidade para aqueles moradores e de serviço para V.  Maj., pois sem despesa de sua fazenda, premia um vassalo benemérito com que bem  vista e considerada a forma da provisão e regimento do Correio-Mor do Reino e  das partes Ultramarinas, não se entender a sua jurisdição e exercício mais que  as cartas que vão deste reino para as ditas conquistas e delas para cá, e não a  correspondência de umas Capitanias para outras,[4] como fica  apontado."[5]
            Ao considerar esse parecer, o  monarca só esteve de acordo com a doação da Ilha de Santa Catarina e com a  promessa de Agostinho Barbalho poder disputar (junto com outros pretendentes) o  Governo do Rio de Janeiro quando terminasse o mandato do actual, com a "declaração de que V. Maj. assim o  mandou" em razão dos seus merecimentos.
            Com esta decisão não se conformou  Agostinho Barbalho Bezerra. Recorreu de novo ao Conselho Ultramarino, onde "fêz petição de réplica neste Conselho, em  que alega os mesmos serviços que por menor se refere na primeira consulta, sua  qualidade e merecimentos que adquiriu nas muitas ocasiões em que se achou em  companhia do dito seu pai, continuados na mais viva guerra que houve no Brasil  por espaço de tantos anos com excessivos trabalhos, alcançando grandes vitórias  dos inimigos desta Coroa, com crédito das armas de V. Maj. e diminuição das dos  inimigos, gastando nelas não só a fazenda, mas até a mesma vida, por cuja causa  ficaram seus filhos falta dela e ele Agostinho Barbalho, com o encargo de três  irmãs e uma mãe que está obrigado a amparar.
            E pede a V. Maj. que tornando a  mandar ver e considerar de novo o merecimento de uns e outros serviços, lhe faça  mercê em remuneração deles, do Governo da Capitania do Rio de Janeiro pelos  mesmos três anos em que seu pai foi provido dele e o não logrou mais que dez  meses, fazendo neles os serviços que de seus papéis consta. E que enquanto Pedro  de Melo [actual Governador] não acaba, lhe faça V. Maj. mercê do posto de Mestre  de Campo da mesma praça e do cargo de Administrador das Minas, em que pela  experiência que dela tem, espera fazer um grande serviço a V. Maj. e enquanto  não há lugar em uma ou outra mercê, o ocupe V. Maj. nas fronteiras deste reino  em posto igual a seus serviços, qualidade e merecimentos; e do ofício de  Correio-Mor de Mar e Terra do Estado do Brasil, assim e da maneira que neste  reino o tem Luís Gomes da Mata, no que a fazenda de V. Maj. não recebe prejuízo  nem os povos, antes V. Maj. fica bem servido e eles melhorados; e que neste  ofício lhe possa suceder o Donatário que fôr da Ilha de Santa Catarina, o qual a  gozará com a mesma jurisdição que têm os sucessores de Lopo de Sousa, ficando  uma e outra coisa na sua sucessão sempre, com o apelido de Barbalho, para que a  este exemplo os vassalos de V. Maj. se animem a povoar tão grande costa à sua  custa, dilatando o Império de V. Maj..
            Ao Conselho (considerando os  serviços e merecimentos de Agostinho Barbalho Bezerra e de seu pai, Luís  Barbalho, sua grande opinião e memória do bem que serviu, felizes sucessos que  teve contra os inimigos desta Coroa) parece que V. Maj. deve fazer mercê ao dito  seu filho (pelas razoes e fundamentos que se fizeram presentes a V. Maj. na  primeira consulta, a que esta é de réplica) da doação da Ilha de Santa Catarina,  na forma das doações de Lopo de Sousa e com as mesmas quatro cláusulas que se  puseram ao Conde de Castanheira e Duarte de Albuquerque; e do ofício de  Correio-Mor de Mar e Terra do Estado do Brasil, de umas Capitanias para outras,  por vir a ser em utilidade daqueles moradores e do serviço de V. Maj. (como já  se votou) no que se não encontra em coisa alguma a jurisdição do ofício de  Correio-Mor (cuja provisão se viu neste Conselho), porque essa é somente pelo  que toca a correspondência deste reino para o Brasil e daquele Estado para este  reino. [...]
            E também, pelo que pode obrar no  descobrimento das minas de ouro e esmeraldas, sobre que até agora se tem feito  tantas diligências sem o fruto que se poderá conseguir se este pretendente,  pelas notícias, prática e experiência que delas tem, tiver jurisdição para pôr  em execução o efeito de obra de tanta utilidade, sem as despesas que outros  sujeitos por ventura não saberão poupar da Fazenda Real, que tudo serve para  melhor acerto no serviço de V. Maj.. Lisboa, 24 de Abril de 1663."[6]
            Assim, reconsiderando a sua anterior  decisão, resolveu D. Afonso VI, através dum despacho do Secretário das Mercês,  Pedro Severim de Noronha, de 9 de Outubro, participar a Agostinho Barbalho  Bezerra ter-se havido por bem:
            "De lhe fazer mercê da doação da Ilha de  Santa Catarina, que está da parte do sul em vinte e oito graus, cuja carta se  lhe passará na forma das doações de Lopo de Sousa e com as mesmas quatro  cláusulas que se puseram ao Conde da Castanheira e a Duarte de  Albuquerque.
            E assim, lhe faz mais mercê do  ofício de Correio-Mor do Mar e Terra do Estado do Brasil, de umas Capitanias  para outras, de que pela parte a que tocar se lhe dará o regimento que fôr  conveniente. E do cargo de Administrador das Minas que pediu, não prejudicando a  terceiro."[7]
            A 19 de Outubro é ordenado ao  Conselho Ultramarino que se passem as referidas cartas e provisões[8] e, finalmente, por carta régia  de 7 de Dezembro de 1663,[9]  é nomeado oficialmente Correio-Mor de Mar e  Terra do Estado do Brasil.
            Contudo, como não poderia deixar de  ser, o Correio-Mor do Reino, Luís Gomes da Mata, embargou a referida carta régia  através de uma acção judicial. Nesta acção argumentou ser também Correio-Mor do  Mar, com todos os poderes, privilégios, isenções e jurisdições já conhecidos,  inclusive o de nomear Assistentes nas colónias, com excepção da Índia Oriental.  Alegava mais, que já tinha  nomeado  Assistentes seus no Brasil "e no Rio de Janeiro, consta servir e tomar  posse em 30 de Julho de 1663 e as cartas passadas em 19 de Dezembro de  1662,[10] muito tempo antes da carta da  mercê feita ao embargado em 7 de Dezembro de 1663. [...]  E que até agora o tempo não tinha mostrado  ser necessário e conveniente haver na conquista do Brasil, outro Correio-Mor do  Mar e Terra de umas Capitanias para outras, nem era necessário ao bem comum,  antes seria confusão perniciosa a ele e ocasião de discórdias e demandas,  sendo-o o mais haver um só para o dito senhor e seus vassalos ficarem mais bem  servidos".[11]
            Em sua defesa alegou Agostinho  Barbalho Bezerra, "que a mercê que o dito  senhor lhe fêz do ofício de Correio-Mor de Mar e Terra do Estado do Brasil, de  umas Capitanias para outras, foi feita pelos muitos serviços referidos na carta  [régia ...] e que este ofício é diferente do embargante, porque este é das  cartas que se enviarem de umas Capitanias para outras e se houverem de abrir lá;  e que o embargante [Luís Gomes da Mata] é deste reino e dos Algarves e das  cartas que se enviarem para os portos marítimos das conquistas e que só isso se  lhe vendeu e concedeu, e não o ofício de Correio-Mor do Estado do Brasil, nem  tal se declara em sua carta, nem essa foi a mente do dito senhor pela tenuidade  do preço que o embargante deu, e que ele lhe não impede que o embargante tenha  Assistentes para receberem e enviarem as cartas que vêem de fora do Brasil a  seus portos e deles para outras partes.
            E que, porém, a ele embargado, lhe  pertencem as que vierem e forem no mesmo Estado, de umas Capitanias para outras,  conforme sua carta e que declarar-se nela ser Correio-Mor do Mar, não encontra a  do embargante, porque esse nome se pôs em razão das cartas do dito Estado do  Brasil, de uma Capitanias para outras, se levarem e trazerem por mar e ser assim  preciso por não ser por terra".[12]
            A todos esses argumentos, o Escrivão  da Coroa pronunciou em 13 de Outubro de 1665, a seguinte  sentença:
            "O que tudo visto e o mais dos autos, e como  no parágrafo 2º do regimento [...] se concede ao embargante [Luís Gomes da Mata]  universal e absolutamente, o enviar e receber todas as cartas que forem e vierem  para qualquer e de qualquer parte fora deste reino e conquistas dele, e da  Europa e fora dela, excepto as cartas da Índia Oriental, nas quais palavras  própria e rigorosamente se compreendem as cartas que forem e vierem do Estado do  Brasil, de umas Capitanias para outras, pois vão e vêem de umas conquistas para  outras por mar e a elas pertencem, ainda que estejam em a América fora da Europa  e pertencem ao embargante, conforme seu ofício de que estava de posse que o dito  senhor lhe houve por dado pela mesma carta [régia  ...].
            E como estando assim o embargante  com este direito adquirido, título e posse antes da carta do embargado  [Agostinho Barbalho Bezerra], ele nada disto exprimiu, antes o ocultou ao dito  senhor, nem que ao embargante estava concedido ser Correio-Mor do Mar e  Conquistas do Reino, excepto a Índia Oriental, nem o que mais alega o  embargante. Do que tudo, se o dito senhor fôra verdadeiramente informado, não é  verosímil fizesse ao embargado a mercê que fêz. Julgam os ditos embargos por  provados e a dita carta por sub-reptícia e nula, e que por ela não tem o  embargante direito no ofício que pretende."[13]
            Por esta sentença, fica claramente  demonstrada a discrepância das interpretações dos magistrados portugueses sobre  a natureza dos dois ofícios. O Tribunal da Relação, partindo de uma falsa  premissa sobre o desconhecimento do monarca em relação ao processo, julgou  exactamente o oposto do parecer favorável do Conselho  Ultramarino.
            Porém, "Agostinho Barbalho Bezerra, Senhor e  Governador Perpétuo da Ilha de Santa Catarina, Comendador da Ordem de Cristo,  Correio-Mor de Mar e Terra do Estado do Brasil, Administrador Geral das Minas,  Governador da Gente de Guerra e dito do mais que o acompanhar nos descobrimentos  que há de fazer, com Superioridade nos Capitäes-Mores e Menores e de Donatários  desta Repartição do Sul [do Brasil], por Sua Majestade, etc."[14]  não recorreu da sentença por ter vindo a  falecer pouco mais de um ano depois, no início de 1667, no interior da Capitania  do Espírito Santo. Chefiava nessa ocasião uma Bandeira por ele organizada e que  buscava encontrar a lendária Serra das  Esmeraldas e Minas de Sabarabuçu,  que então se julgava existir naquela região.[15]
[1]  Para uma melhor compreensão destes factos, ver o trabalho de Charles Ralph  Boxer, Salvador de Sá e a Luta pelo  Brasil e Angola (1602-1686), São Paulo, Ed. Nacional, col. Brasiliana vol.  353, 1973. Principalmente as pp. 324 a 340.
[2]  AHU, códice 84, fls. 52v a 53v.
[3]  Idem.
[4]  Deve-se notar que esta consulta é de 14 de Novembro de 1662, justamente no mesmo  mês em que estavam sendo deferidas as primeiras nomeações dos Assistentes do  Correio-Mor no Ultramar, conforme vimos atrás.
[5]  Idem, doc. cit.
[6]  AHU, códice 84, fls. 66v e 67.
[7]  AHU, Rio de Janeiro (C. A.) caixa 5, docs. 924/6.
[8]  Idem.
[9]  Infelizmente, por um erro humano, não foi registada a referida carta nos Livros  do Conselho Ultramarino, nem na Chancelaria Real. Porém, pode-se afirmar com  alguma segurança, através da crítica diplomática, que o conteúdo da mesma só  teria o enunciado do despacho da Secretaria das Mercês acima transcrito. Isto é  o que se deduz tanto da comparação com as outras cartas e provisões das mercês  que recebeu e que foram registadas, como também do conteúdo da sentença quando  da contestação deste ofício, que veremos mais  adiante.
[10] O  grifo é nosso.
[11]  Manuel Alvares Pegas, op. cit., pp. 510 e 512.
[12]  Idem.
[13]  Idem.
[14]  AHU, São Paulo (cat.), caixa 1, doc. 24. Assim é que se intitulava Agostinho  Barbalho depois de ter sido recompensado pelos seu  serviços.
[15]  Vide Charles Boxer, op. cit., p. 361.
Sem comentários:
Enviar um comentário