terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Os Assistentes do Correio-Mor em Pernambuco

Em Pernambuco, como na Bahia, ocorreram as mesmas resistências e hostilidades. Por carta régia de 12 de Dezembro de 1673, é nomeado Bento da Costa como novo Assistente de Correio do Mar naquela Capitania. O Governador, participando à Corte por carta de 30 de Abril de 1674, de que tinha mandado dar cumprimento à referida nomeação, comunicava que a Câmara de Olinda lhe pedira para que se não efectivasse a nomeação até obterem resposta de Lisboa sobre as razoes que alegavam contra a existência do ofício. A mesma Câmara, em carta ao Soberano de 4 de Maio daquele ano, queixava-se do seguinte modo:

"O Governador Dom Pedro de Almeida mandou a este Senado da Câmara, uma carta de V. A. pela qual lhe ordenava deixasse exercer a Bento da Costa a ocupação de Correio do Mar destas Capitanias, pessoa nomeada do Correio-Mor deste Reino; e como isto fosse em tanto prejuízo destes povos, estando eles tão miseráveis como à V. A. se lhes têm feito presente muitas vezes, chamamos as pessoas que costumam andar nesta governança e se lhes fêz presente a carta de V. A. neste Senado, ao que todos uniformemente nos requereram fizéssemos presente a V. A. a atenuação em que estão estes moradores com que lhes não era possível haverem de pagar as cartas que de Portugal lhes viessem, porque muitas vezes as deixariam por não terem com que o fazer e o representavam assim ao dito Governador sustivesse [a] dita ordem até este Senado o fazer a V. A.. Pedimos a V. A., prostrados a seus reais pés, com a submissão de leais vassalos, em nome de todos estes povos, seja servido livrá-los deste dispêndio pois não estão estes moradores capazes de o fazerem com a carga dos impostos que pagam e estas Capitanias, até o presente, não necessitarem que nelas houvesse esta ocupação de Correio".[1]

Não houve resposta a esta representação da Câmara de Olinda e, muito provavelmente, Bento da Costa não conseguiu exercer o seu ofício. Também porque, por essa mesma época, Bartolomeu Fragoso Cabral ainda pleiteava por seu direito nos Tribunais da Bahia e Lisboa "pelos meios ordinários", conforme a decisão do Príncipe Regente D. Pedro em 1670, já referida neste capítulo.

Alguns anos mais tarde, por carta régia de 12 de Janeiro de 1694, é nomeado um outro Correio do Mar na pessoa de Manuel Coelho da Silva.[2] Entretanto, com a mesma cláusula de jurisdição exclusiva sobre as cartas que fossem do reino e não nas que viessem dos portos do Brasil e Angola, conforme o parecer do Conselho Ultramarino de 28 de Abril de 1693, já citado, que levava em consideração uma das razões alegadas pela Câmara da Bahia contra a existência do serviço de correios.

Da sua biografia sabemos (através do seu pedido de remuneração de serviços), que era filho de Luís de Miranda e natural do Porto, como também, até o ano de 1688, "ser provido no posto de Capitão de Infantaria da Ordenança da Capitania do Rio Grande em 20 de Julho de 683, por provimento do Capitão Mor que foi dela, Manuel Munis, que V. Maj.. confirmou, em cujo exercício se houve com honrado procedimento vivendo a lei da nobreza, sendo bem quisto de todos e muito zeloso e diligente nas ocasiões que se ofereceram do serviço de V. Maj.. E em 20 de Julho de 686, embarcar-se de Pernambuco para esta Corte na nau Santa Maria de Henrique por soldado da guarnição dela, fazendo sua obrigação no decurso da viagem até chegar a esta cidade, não faltando a tudo o que lhe foi encarregado."[3]

Apesar de "bem quisto de todos" no Rio Grande, Manuel Coelho da Silva, provavelmente também, não chegou a exercer o seu cargo de Correio do Mar em Pernambuco.

Contudo, muitos anos mais tarde, por volta de 1738, no que deverá ter sido a derradeira tentativa do Correio-Mor do Reino em nomear Assistentes seus no Ultramar, reagiram em termos muito duros tanto a Câmara de Olinda como a do Recife, em relação à indicação dum Correio para aquela Capitania. Infelizmente não encontramos nem a nomeação do Assistente, nem a resposta do Governador sobre este caso e dessa forma, ficamos sem saber o nome do Correio indigitado. Porém, a Câmara de Olinda por carta de 5 de Abril de 1738 a D. João V, protestava assim:

"O Correio-Mor dessa Corte de Lisboa, não satisfeito com os lucros provenientes do dito ofício de todo o Reino de Portugal, pretende erigir nesta Cidade de Olinda correio para as cartas do mar e da terra, fundando-se em que por ordem de V. Maj. o pode erigir em todas as conquistas com pretexto de que melhor se seguram as correspondências e negócios do povo; e requerendo o seu agente a execução da dita ordem ao Governador e Capitão General destas Capitanias, Henrique Luís Pereira Freire, mandou que este Senado e o da Vila do Recife respondessem acerca do requerimento ouvindo juntamente ao pretendente, e além de outros fundamentos com que mostramos não ser útil e conveniente ao povo a nova criação de Correio-Mor, impugnamos com as seguintes:

Que o haver Correio-Mor não impede nem evitava a malícia, conveniência ou curiosidade dos que pretendessem haver a si as cartas que lhes parecer, porque o dito Correio o não pode obviar por não conhecer as pessoas que as pretendem, nem o porte de cada uma pode obstar por ser diminuto.

Que os moradores destas Capitanias se acham satisfeitos com o antiquíssimo costume observado desde a criação desta terra até o presente, os quais nunca declamaram nem representaram a V. Maj. prejuízo algum e que só se confiram as graças e favores quando se pediam.

Que haviam cento e tantos anos que estava de posse do dito ofício e que nunca o mandara erigir nestas Capitanias[4] e que a prescrição imemorial tinha forças de privilégio.

Que havendo de erigir, o devia ser na Bahia para a essa imitação se seguirem as mais.

Que se acha esta terra reduzida a um deplorável estado, assim pelos contratempos que experimenta, como pelo pesado ónus com que se acha de contribuir a V. Maj. um milhão, duzentos e cinquenta mil cruzados de donativo, dos quais ainda nem a metade se acha satisfeita.

E, finalmente, que assaz locupletado se achava o dito Correio-Mor com os rendimentos que tem, pois até o presente não solicitou esta nova criação, e porque é V. Maj. tão pio e interessado no bem comum dos seus povos, esperamos da real e benigna protecção de V. Maj. se digne de inibir ao dito Correio-Mor a erecção que pretende nestas Capitanias de Pernambuco, tanto contra a utilidade de seus vassalos."[5]

Sobre a mesma questão também reagiu a Câmara do Recife na sua representação de 9 de Abril do mesmo ano de 1738, ao afirmarem que "não somente impugnamos o estabelecimento do dito ofício" como alegavam outras razões, "sendo a principal, ser costume antigo deste povo não haver correio cujo costume nos compete defender e porque também havendo de estabelecer-se o dito ofício, devia ter princípio a sua criação pela cabeça deste Estado e não por uma Capitania particular que vem a ser uma quarta parte desta América, porque parece pouco conforme com a razão que se haja de pensionar com um ofício uma Capitania sem que esta traga a sua origem da cabeça de todo o Governo. [...]

E pelas razões ponderadas na resposta que demos, que oferecemos na presença de V. Maj., não fica sendo de utilidade para este povo o dito ofício, antes lhe serve de vexame e opressão, pois sempre esta Capitania, desde a sua fundação, se conservou sem este encargo."[6]

Na reposta do Conselho Ultramarino de 8 de Janeiro de 1739 a esta representação da Câmara do Recife, se comunica haver sido assim deliberado:

"Que se viu a vossa carta de 9 de Abril do ano passado, sobre o vexame que causava a este povo o ofício de Correio-Mor que se pretendia estabelecer nessa Vila como também para as cartas do mar, pedindo-me fosse servido aliviar-vos da pensão do dito ofício por se conservar essa Capitania desde a sua fundação sem este encargo, e vendo-se o despacho que deu o Governador dessa Capitania sobre esta matéria, concedendo nela o dito correio somente para as cartas do mar: me pareceu dizer-vos que o dito Governador deferiu bem e na conformidade das minhas ordens."[7]

Esta deliberação vem ao encontro de uma outra ordem passada em 20 de Abril de 1730 (de que ainda falaremos no último capítulo), onde ordenava que se não consentissem no estabelecimento de correios por terra, porque o mesmo não pertenceria à jurisdição do Correio-Mor do Reino. Esta ideia vem retomar a antiga interpretação que o Conselho Ultramarino tinha feito da provisão e regimento daquele ofício, quando da nomeação de Agostinho Barbalho Bezerra como Correio-Mor do Brasil em 1663.

A julgar pelas representações das Câmaras de Olinda e do Recife, é também muito provável que o tal Assistente não tenha conseguido exercer o ofício, tal como os seus antecessores pretendentes ao cargo.



[1] AHU, Bahia (L. F.) [sic], caixa 20, doc. 2387.

[2] AHU, códice 256, fl. 164v.

[3] AHU, códice 86, fls. 16v e 17.

[4] Esta afirmação vem confirmar ainda mais que as anteriores nomeações não chegaram a se efectivar.

[5] AHU, Pernambuco, caixa 32A.

[6] Idem.

[7] AHU, códice 260, fl. 242.

Sem comentários: