Com a interrupção do tráfego postal  através de Espanha, viu-se a coroa portuguesa na necessidade de suprir essa  carência de comunicação com os seus principais aliados, através da  correspondência por via marítima.
            Segundo o Prof. Veríssimo Serrão, ao  analisar as linhas de comércio externo português durante esse  período:
            "O intercâmbio que se estabeleceu ou renovou  no quadro político da Restauração visava também uma finalidade económica, na  compra de víveres e na permuta de géneros e objectos indispensáveis ao Reino  [...].
            A França tornou-se então o grande  pólo dessas relações que tiveram como término, em maior escala, as fozes do  Loire e do Sena, com destaque para os portos de Nantes, La Rochele e Ruão. Na  primeira cidade desembarcaram quase sempre os nossos diplomatas com destino a  Paris, por ali fazendo também escala os principais correios de e para Lisboa.  Mas sucedeu que as condições marítimas levaram as frotas até La Rochele (a  'Arrochela' dos portugueses) [...]. Os três portos receberam muitas cargas de  açúcar, gengibre, pau-brasil e azeite, cuja venda se destinou, algumas vezes, a  pagar os nossos embaixadores em Paris e na Holanda. Pelo porto rochelês fazia-se  ainda o principal tráfego de material de guerra e de cavalos para a defesa da  Restauração. Mantendo uma tradição que vinha do século XVI, os mercadores de  Viana do Lima tinham intensas relações com esse porto e, também, com as 'partes  do norte', o que trazia grande lucro aos mercadores da vila."[1]
            Nesse sentido, ordenou D. João IV  por decreto de 13 de Setembro de 1646 ao Conselho da Fazenda, que: "Para ganhar tempo nos avisos que tenho fora  do reino, convém muito a meu serviço que cada mês (pelo menos) parta um barco de  aviso de Viana à França, assim e da maneira que no tempo atrás se quis começar a  introduzir. O Conselho da Fazenda entendendo do Correio-Mor o que passou naquela  ocasião e ouvindo-o sobre os meios por que se poderá assentar esta comunicação  com menor despesa de minha fazenda, me faça consulta do que parecer, sem momento  de dilação."[2]
            Mais tarde, num segundo decreto de  18 de Maio de 1647 ao mesmo Conselho, insistia o monarca que: "Convém a meu serviço enviar uns despachos à  França e outros que dali se hão de remeter a diferentes partes e porque não  parte navio e é provável não partirá tão cedo, resolvi mandar partir de Viana  para este efeito. O Conselho da Fazenda envie à Secretaria de Estado a ordem de  dinheiro necessário para este efeito e a quantidade será a que lhe parecer  necessária porque a há de entregar e fazer o preço o Corregedor daquela Comarca,  e isto se fará logo."[3]
            Contudo, as dificuldades financeiras  da coroa eram muito grandes e conforme a análise do Prof. Oliveira  Marques:
            "A política económica de D. João IV visou  obter dinheiro de qualquer maneira, principalmente para prover à defesa  efectiva. As Cortes votaram subsídios mas o governo, actuando com prudência,  tentou o mais que pôde não aumentar os impostos. Obtiveram-se somas avultadas  dos mercadores a quem, em troca, se concediam privilégios. Os Cristãos-Novos  beneficiaram da situação anormal do reino. Tanto em Portugal como fora dele  (Holanda, Alemanha, etc.), capitais judaicos auxiliaram a causa da independência  e auxiliaram-se a si mesmos em operações rendosas. Empréstimos conseguidos de  companhias judaicas permitiram comprar navios, munições e soldados para a  defesa."[4]
            Tendo isso em linha de conta e  considerando que em determinado período se correu o risco do alargamento do  conflito a outros países, tais como a Inglaterra de Cromwell e a Holanda (devido  ao fim da trégua estabelecida com este país dez anos antes), se compreenderá  melhor o dramático decreto promulgado pelo rei a 27 de Maio de 1651, onde  deliberou:
            "Em conformidade do que me representou o  Conselho da Fazenda sobre os meios de se achar dinheiro para defesa do reino e  suas conquistas nas guerras que se receiam de Holanda e Inglaterra; hei por bem  se ponham éditos para se venderem Juros, Tenças, Lugares, Jurisdições ou qualquer outra coisa[5] das que possui esta coroa e se  vendam com efeito pelo preço justo, dando-me conta do que parecer necessário. E  porque o Príncipe [D. Teodósio], meu sobretodos muito amado e prezado filho,  manda vender juros na Casa de Bragança para o mesmo efeito, e uma e outra coisa  convirá entender-se para que meus vassalos a esta imitação se disponham a ajudar  com o que puderem a defesa de guerras que se fazem; por parecer dos Tribunais  que representam o reino, se fará de tudo menção nos éditos."[6]
Nesta perspectiva, ainda segundo  a opinião do Prof. Oliveira Marques:
            "A guerra da Restauração mobilizou todos os  esforços que Portugal podia dispender e absorveu enormes somas de dinheiro. Pior  do que isso, impediu o governo de conceder ajuda às frequentemente atacadas  possessões ultramarinas. Mas se o cerne do Império, pelo menos na Ásia, teve de  ser sacrificado, salvou-se pelo menos a Metrópole de uma ocupação pelas forças  espanholas."[7]
            Assim, dois anos depois, através de  uma consulta do Conselho Ultramarino de 21 de Julho de 1653, "sobre o grande aperto e miséria em que se  acha o Estado da Índia e convir acodir-se-lhe com socorros  [...].
            Pareceu ao Conselho logo logo (sic)  lembrar a V. Maj. que por serviço seu e conservação daquelas tão estendidas  cristandades e que tanto sangue tem custado, deve comunicar este aperto com o  Conselho da Fazenda para que dando o estado da [fazenda] de V. Maj. lugar, se  mande logo na monção que entra algum socorro à Índia que, ainda que seja  pequeno, vem o tal antecipado a ser melhor e de mais efeito que o maior indo  tarde, e não se vota em qual deve ser o socorro, por se não saber o estado em  que a fazenda de V. Maj. se acha".[8]
            Por decisão de D. João IV em 5 de  Agosto do mesmo ano de 1653 e conforme a resposta do Conselho da Fazenda "sobre os meios que há de dinheiro para o  socorro que em Setembro deve passar à Índia" deliberou o monarca que "parece-me bem que nesta monção de Setembro  se aprestem para passarem em direitura à Goa, os galeões São Tomé e São  Francisco e para a despesa que se há de fazer com eles, consigno o procedido da venda do ofício de Correio do  Mar,[9] que o Conselho encarregará a um  dos ministros dele para procurar compradores e se ajuste com o que mais der e  referindo no Conselho o último lance se me consulte, e se parecer por éditos se  façam logo".[10]
            Como veremos mais adiante, não  surgirão interessados na compra deste ofício. Mas, por um outro decreto do  governante português durante mais ou menos a mesma época,[11] "mostra-se que havendo o dito senhor  respeito ao que por parte dos homens de negócio desta cidade se lhe representou,  em razão da grande utilidade e certeza que se requeria para correspondência das  cartas que vem de fora do reino por mar, de haver na dita cidade uma pessoa  destinada para as recolher a qual, com diligência e segurança, as faça dar a  seus donos ou as tenha fielmente em guarda até as mandarem buscar, sendo para o  dito efeito de muita satisfação, confiança e inteligência; e por parecer assim  conveniente e que as ditas cartas que vierem para este reino por mar, tenham  lugar certo aonde seus donos acudam a buscá-las e na pessoa de João Nunes  Santarém concorrerem as partes referidas para boa satisfação do sobredito, como  tinha mostrado algumas ocasiões que se lhe encarregaram, e tendo consideração  aos serviços que lhe tinha feito: havia por bem (até outra determinação) de  nomear ao dito João Nunes Santarém, por Assistente das Cartas de Ultramar que  vierem para este reino de fora dele, das quais levaria os portes que lhe  quisessem dar, não passando do costumado. Para cujo efeito os mestres e oficiais  dos navios, ou quaisquer outras pessoas a quem forem encarregadas as ditas  cartas em geral, as entreguem ao dito João Nunes Santarém, para de sua casa se  entregarem a seus donos, fazendo as listas e memórias que necessário forem, para  melhor e mais breve expedição e para que se não percam nem retardem as mesmas  cartas, como tudo consta do dito decreto".[12]
            Mas, a reacção à criação deste  ofício de Assistente das Cartas de Ultramar não se fêz esperar. Com a morte do  Príncipe herdeiro D. Teodósio, a 15 de Maio de 1653, convocou D. João IV as  Cortes que se reuniram em Lisboa entre Outubro de 1653 a Fevereiro do ano  seguinte, para o juramento de D. Afonso como herdeiro substituto à coroa e "para assentar nelas algumas coisas  importantes ao bem comum, conservação e defensa do reino".[13] A 12 de Janeiro de 1654, os  procuradores dos três estados (clero, nobreza e povo) representaram ao monarca,  através do Capítulo 38 dos Capítulos Gerais, que:
            "O ofício de Correio do Mar que de novo se  criou, é de grande prejuízo e não serve de mais que de dilatar a data das cartas  e papéis que vem de fora além de que, a pessoa que serve, abre os maços e põe  portes excessivos nas cartas, sendo que nem as trás ao reino, nem tem trabalho  algum e só faz negociação do dito ofício que nunca houve. Pedem os povos a V.  Maj., o mande extinguir de todo e que não haja tal ofício".[14]
            Em 23 de Fevereiro, respondeu D.  João aos procuradores dos povos, que "sobre o que me propondes neste capítulo,  corre litígio. E, porém, sendo conveniente que não haja este ofício que não  houve no reino, o mandarei considerar e tomar na matéria resolução. E quando  pareça que o deva haver, se lhe dará regimento para se proceder nele muito  conforme ao que a razão pedir, provendo-se quando deva, e fosse em pessoas que o  exercite com toda a pontualidade e satisfação".[15]
            O litígio que havia por causa do  polémico ofício, era, como não poderia deixar de ser, entre o Correio-Mor Luís  Gomes da Mata e o tal Assistente das  Cartas de Ultramar, João Nunes Santarém. Nos argumentos apresentados em  juízo por Luís Gomes, "mostra-se embargar  o autor [Correio-Mor] o dito decreto [de Assistente das Cartas de Ultramar] com  fundamento de não se poder fazer obra por portaria sem alvará ou carta do dito  senhor [o rei], e de ser contra a autoridade e preeminências dele Correio-Mor e  de seu ofício e casa, haver pessoa no reino que receba e dê cartas por listas, e  que o seu ofício foi comprado por preço de setenta mil cruzados, com as honras e  preeminências que tinha e gozava o Correio-Mor de Castela; e que o dito  Correio-Mor de Castela recebe e dá por lista todas as cartas vindas por mar de  Itália, Flandres e outras partes, e que o ofício de Correio-Mor é e foi sempre  único neste reino, sem haver Assistente das Cartas que vem por mar. E que quando  haja Correio do Mar, o deve ser ele Correio-Mor por convir assim ao serviço do  dito senhor e bem do reino, mormente havendo de se levar portes das ditas  cartas, com que ele Correio-Mor se lhe ficava suprindo parte da quebra que teve  em seu ofício, faltando-lhe as cartas de toda a Espanha, Itália, França e  Flandres depois da feliz aclamação do dito senhor e que todas as vezes que a ele  autor se lhe ordenou da parte de Sua Majestade ou de seus Tribunais, que  mandasse correios ao mar com cartas às armadas e naus da Índia, o executou  pontualmente mandando correios por sua ordem e fazendo-lhe a despesa [...]. E,  finalmente, que o Correio-Mor de Castela, de cujas preeminências o autor deve  usar por sua carta, era também Correio do Mar como parece do contrato [...] que  ele fez com El Rei de Castela, em que desistiu do ofício de Correio-Mor do Reino  de Portugal e das Índias e que em o réu [João Nunes Santarém] receber e remeter  as cartas do mar, há grandes inconvenientes porque as envia por almocreves e  outras pessoas semelhantes".[16]
            Contra estes argumentos, respondeu  João Nunes Santarém: "que Sua Majestade  foi servido nomeá-lo por Assistente das Cartas de Ultramar, havendo respeito ao  que se lhe representou por parte dos homens de negócio desta cidade e a grande  utilidade que disso se seguiria à República, havendo Assistente para as ditas  cartas e que no decreto [...] em que o dito senhor lhe cometeu a dita  assistência, não se encontra a carta do ofício de Correio-Mor passada aos  antecessores do autor, nem o autor tem utilidade alguma das cartas que vem de  mar em fora, porquanto o seu ofício é limitado para as cartas que vem por terra  e não pode o autor impedir ao réu a continuação da comissão que fêz o dito  senhor; e que nem ainda poderá criar o dito senhor de novo este ofício e que  assim se colhe da sentença que se deu contra ele autor, em favor de Manuel da  Costa Brandão e Jerónimo Nunes,[17] e que não há razão para o autor  lhe impedir a mercê que o dito senhor lhe fêz com respeito a seus  serviços".[18]
            Neste feito, o Escrivão da Coroa em  acórdão da Relação, proferiu em 30 de Maio de 1656 a seguinte  sentença:
            "O que tudo visto, com o mais dos autos e  disposição de direito, e como ainda que a carta do autor [Correio-Mor] declare  que se concede o dito ofício com todo o direito e preeminências do Correio-Mor  de Castela e ele seja também Correio-Mor do Mar, contudo não foi tenção do rei  que vendeu o dito ofício ao tio[19] do autor, vender-lhe também o  ofício de Correio-Mor do Mar, coisa que no tempo da venda não havia neste reino,  nem veio à mente e consideração do príncipe vender-lhe o ofício que se não  imaginava poderia haver. Julgam que o dito ofício de Correio-Mor ou Assistente  do Mar não pertence ao autor por sua carta e que o poderá requerer a Sua  Majestade, e alegar as conveniências e mais razões que aponta para haver de  andar no ofício do Correio-Mor. Julgam, outrossim, os embargos recebidos [do  autor Correio-Mor] por não provados e que o réu não tem no dito ofício de  Correio ou Assistente das Cartas que vem por mar, mais que uma comissão  precária, a qual o dito senhor pode revogar e dispor do dito ofício como mais  convenha a seu serviço".[20]
            Porém, seis meses depois, em 22 de  Novembro do mesmo ano de 1656, por recurso do Correio-Mor, foi dada uma nova  sentença do seguinte teor:
            "Acórdão em Relação, etc. Recebem os  embargos próximos para efeito de anular a sentença embargada naquela parte em  que julga aos primeiros embargos por não provados, e deferindo a eles os julgam  por provados e a portaria embargada por nula. E mandam que por ela se não faça  obra por não ser carta passada pela Chancelaria e pelo mais que dos autos  consta. E sobre o direito que o embargante pretende ter no ofício, poderá  requerer ao dito senhor e assim o poderão fazer os mais pretendentes que  houver".[21]
            Esta nova sentença foi proferida  pouco tempo depois da morte de D. João IV, ocorrida em 8 de Novembro do mesmo  ano. Devido a menoridade do novo Rei, D. Afonso VI, assumiu a regência do reino  a Rainha sua mãe, D. Luísa de Gusmão. Assim, por decreto de 25 de Abril de 1657  ao Conselho da Fazenda, ordenava a regente em nome do seu filho, que: "Por aviso do Regedor da Casa da Suplicação,  entendi estavam sentenciadas as dúvidas sobre o ofício de Correio-Mor do Mar. O  Conselho da Fazenda o faça logo vender na forma que El Rei, meu senhor e pai, o  tinha resoluto. O que se fará logo para acudir com o procedido as necessidades  presentes".[22]
            Em decorrência deste decreto,  comprou o Correio-Mor o novo ofício pela quantia de oito mil cruzados e obteve  por isso, um regimento passado em 9 de Junho (que analisaremos mais  detalhadamente no próximo capítulo), e a carta de doação passada em nome de D.  Afonso VI, de 26 de Outubro do mesmo ano de 1657, "que pela utilidade pública de meus reinos e  por outras justas causas que a isso me moveram, houve por bem anexar ao ofício  de Correio-Mor destes meus Reinos que hoje possui Luís Gomes da Mata, Fidalgo de  minha Casa, vinculado em morgado de seus antecessores, o ofício de Correio-Mor  das Cartas do Mar e de lhe fazer dele mercê de juro e herdade para todo sempre,  para que o sirva, logre e possua sujeito aos mesmos vínculos, sucessões e  perpetuidade do dito morgado e sob as mesmas condições, privilégios e liberdades  da sua primeira carta e provisão, assim a seu respeito como de seus assistentes  e isto por título oneroso de compra e serviço de oito mil cruzados [...] para os  gastos e despesas do exército de Alentejo; e por remuneração de seus serviços e  dos predecessores feitos à minha coroa no dito ofício de Correio-Mor do Reino e  fora dele, e esta mercê lhe faço de moto próprio, certa ciência, poder real e  absoluto em que com os de meu Conselho achei convinha a criação do dito novo  ofício não ser em outra pessoa, senão na do dito Luís Gomes da Mata, por lhe não  prejudicar ao primeiro e ficar eu e meus vassalos melhor servido com esta  união".[23]
            Contudo, João Nunes Santarém não  desistirá de tentar obter a primazia ao polémico cargo interpondo novo recurso.  Sobre ele, por um outro decreto de 13 de Novembro de 1657, ordenava a Regente: "Vejam-se logo no Conselho da Fazenda os  embargos com que João Nunes Santarém veio à carta do Correio-Mor do Mar que  mandei passar a Luís Gomes da Mata, Correio-Mor do Reino; e se me consulte logo  sobre eles o que parecer ao Conselho devo fazer na matéria".[24] Na resposta, a 22 de Fevereiro  de 1658:
            "Ao Conselho parece que os ditos embargos  não são de receber nem tem matéria de substância em que se deva reparar,  porquanto a conveniência que em seu princípio refere porque se instituiu o  Correio de Mar, se ficará conseguindo exercitando-se conforme a carta embargada  e regimento que se fêz. O direito próprio em que o embargante João Nunes funda  sua acção, é nenhum e assim se julgou por sentença da Relação dada neste caso. A  equidade que mais alega de este ofício se lhe dever antes vender a ele, não tem  lugar, assim porque ele soube muito bem que o ofício andava em venda e nunca  lançou nele, como porque o bem público e o exercício do ofício não se podia bem  praticar sem andar junto com o do Correio-Mor do Reino por grandíssimos  inconvenientes e dificuldades que no contrário se oferecerão. De tudo o que se  passou nesta matéria teve V. Maj. [a Regente] e S. Maj. [D. João IV], que Deus  haja, muito perfeita notícia e particularmente de como o embargante João Nunes  Santarém estava naquele exercício e assim se não pode considerar obrepçäo e  subrepção.
            E quanto ao que acrescenta o  Procurador da Fazenda acerca de se poder esperar maior preço da venda deste  ofício, isto diz ele porque como ainda não estava neste Conselho quando o  negócio se tratou e se examinaram suas circunstâncias, não tem conhecimento do  que sobre tudo passou. O rendimento do ofício não só não é tão grande como se  lhe representa, mas antes é de pouca consideração pela impossibilidade que há  para se porem em arrecadação as cartas que vêm nas embarcações, as quais os  oficiais delas e passageiros, tiram e dão a quem querem, sem se poder impedir  por mais diligências que se façam e sem embargo de se fazer despesa em sustentar  uma falua para vigiar[25] e, finalmente, por não haver  quem quisesse arriscar tanto dinheiro por coisa nova que ordinariamente tem  impossível execução; não se achou maior lance e ainda que o houvera, se tinha  acordado pelos Ministros de V. Maj. que convinha dar-se mais barato ao  Correio-Mor do Reino porque além da fidelidade e pontualidade que é necessária  para este ofício pelo muito que importa os avisos da mercância, a qual  satisfação se tem experimentado no Correio-Mor do Reino há tantos anos;  concorria mais não se poder servir este Ofício do Mar senão por quem tivesse  juntamente o da Terra, em razão de lhe pertencerem os portes das cartas que se  remetessem de uns portos a outros e para todo o reino, e por outras  considerações que se fizeram como acima fica dito.
            Pelo que, parece que sem embargo dos  ditos embargos, deve V. Maj. mandar entregar a carta ao Correio-Mor para por ela  continuar no exercício deste ofício".
            Em conclusão, a Regente D. Luísa de  Gusmão deliberou: "Como parece. Com  declaração que se o Correio-Mor houver de pôr Assistentes nas conquistas, o não  fará sem aprovação do Conselho Ultramarino e assim lho mando  avisar".[26]
            O sucesso da compra deste  controverso ofício de Correio-Mor das Cartas do Mar, não teria sido possível sem  a intervenção do irmão de Luís Gomes da Mata, o Arcediago Duarte Gomes da Mata,  que já atrás o referenciamos a propósito das críticas que tecia ao carácter do  irmão Correio-Mor. Figura influente no seu tempo, apesar de ser um religioso,  foi um importante financiador da Guerra da Restauração devido a ter herdado  todos os bens não vinculados de seu tio António Gomes. Escreveu ainda uma  interessantíssima memória elaborada posteriormente a 1659 e em que deixa bem  transparecer a opinião que tinha de seu irmão, ao dizer:
            "Toda a minha vida não fiz outra coisa mais  que servir ao Sr. Correio-Mor Luís Gomes da Mata, começando os meus serviços aos  primeiros anos tanto que comecei a ter quatro vinténs de meu e crescendo ao  passo que me crescia o cabedal, porém, deixando a parte os que não têm nome  senão a respeito do que eu possuía naquele tempo.
            Quis o dito Sr. embarcar-se em uma  armada, haverá trinta e oito anos, em que foi General Tristão de Mendonça. E  porque meu pai e tio o não socorreram para esta ocasião por se não conformarem  com a resolução, eu me empenhei buscando dinheiro de várias pessoas para suprir  esta falta de que me resultaram dois danos mui  consideráveis:
            O primeiro, indignar-se meu tio, o  Sr. Correio-Mor, de maneira contra mim que faltou muitos meses com o que me  costumava dar e meu pai, aplicando ao meu desempenho com que muitos tempos não  tive com que comprar uns sapatos.
            Depois, sendo eu seu imediato  sucessor e único, porque não tínhamos outro irmão secular, tomei ordens sacras  tanto que tive vinte e quatro anos com muitas contradições de meu pai e tio por  este respeito, alegando-me as esperanças que deixava de lhe poder suceder na  casa as quais desprezei para que não tendo meu pai e tio outro sucessor para que  apelar, se resolvessem dar logo estado ao dito meu irmão, como fizeram em  efeito, mandando-me a mim logo a Madrid para lhe segurar o ofício de Correio-Mor  e efectuado este negócio, o casaram também logo.
            E quanto ao primeiro, fiz outra  fineza mui correspondente ou avantajada as referidas, porque fui a Madrid  pretender que passasse o ofício de meu tio ao dito meu irmão, sem que meu pai  entrasse nele, sendo que em o possuir o dito meu pai, tinha eu grandíssimos  interesses, assim em razão da renda que acrescia com o dito ofício, em que se  aumentava muito a minha legítima porque rendia naquele tempo com a vantagem que  se pode considerar ao presente e além disto, havia eu de ser provido nos ofícios  que fossem vagando no reino que são muitos e da importância que é  notória.
            E para tirar a meu pai o escrúpulo  que para a sua consciência preponderava, mais que os aumentos da fazenda e  autoridade do ofício, e o alentar na despesa que se havia de fazer e gastos da  minha assistência na Corte de Madrid, lhe ofereci as minhas legítimas quando as  de meu irmão não bastassem, como não bastaram; nem se conseguira o negócio se  meu tio não contribuíra igualmente com meu pai para o gasto que se fêz, tão mal  agradecido como o mais e no que meu pai desembolsou da sua parte que foram sete  mil cruzados, fiquei eu defraudado assim na renda que se lhe diminuiu, como no  que havia de haver na minha legítima.
            Casou depois o dito Sr. com a Sr.ª.  Dona Violante de Castro e deu-lhe meu pai uns alimentos mui excessivos ao seu  cabedal e todo o móvel precioso que lhe ficou de minha mãe, ficando o dito meu  pai tão pobre, que foi necessário dar-lhe meu tio uma esmola cada ano para o  ajudar a sustentar, ficando eu também nisto mui leso porque além de faltar na  casa a limpeza necessária para um homem de bem, faltava também o cómodo na renda  para o preciso, em que tudo me conformei para meu irmão ficar acomodado e com  estado.
            Vim de Madrid, trouxe-lhe os dixes  (sic) a que mal podia chegar o limite do meu cabedal e nas ocasiões que teve,  lhe dei o que tirava da boca e do vestir para lhe poder acudir, de que me  resultou entrar meu tio comigo em grandíssimas desconfianças por ter naquele  tempo do dito meu irmão, notáveis escândalos e chegar a desconfiança a termos  que me tirou a fala e proibiu a entrada em sua casa, sendo as minhas  dependências da sua graça e favor, as que se vêem nos efeitos de mo haver  restituído.
            Morreu o dito meu tio, prestei a meu  irmão logo obra de seis mil cruzados para despachar correios e se desempenhar de  algumas dívidas de que pagava réditos sem nenhum género de interesse meu, antes  com o encargo de me pagar nos róis das despesas dos correios que além de ser  trabalhosa a cobrança, havia de ser também detençosa e custosa,[27] de que me está devendo ainda a  metade.
            E sobre tudo isto, lhe dei muitas  peças do móvel que herdei e a satisfação foi cobrar ele os róis sem me dar um  patacão deles, e levantar-se-me com cinco ou seis mil cruzados de jóias que lhe  havia prestado e me não quis restituir um só fio de pérolas que entre os demais  levou, sem eu lhe prestar três mil cruzados que me está ainda devendo com as  mais dívidas.
            E depois deste préstimo, lhe fiz  muitos outros que noutro papel aponto, sem interesses alguns que quer o dito Sr.  confundir com outras partidas de dinheiro que desembolsei para a compra do  ofício de Correio-Mor do Mar e obras que fiz nas casas em que mora e algumas  outras que comprei junto a elas; e lhe larguei por me dar destas últimas  quantias, os rendimentos nos ofícios de Coimbra e no Porto, sendo que me faltou  com 150 mil réis de pensão cada ano no ofício do Porto de que tudo farei menção  com distinção noutro papel, juntamente com as datas que me lembrarem fiz ao dito  Sr. e a sua mulher, filhos e filhas, e serviços pessoais que se os ele soubera  estimar, mereciam muito maior agradecimento que os acima  referidos.
            Comprei finalmente o ofício de  Correio-Mor do Mar com a contradição que se sabe tão empenhado o Conde de  Odemira, de que me resultou o ódio do dito Conde, tão furioso, que me descompôs  e fêz daí por diante muitos pesares, sendo que antes me fazia grandíssimos  favores e indo a Madrid, só comigo andava no meu coche e só a minha visita  admitia".[28]
            Nesta curiosa memória passamos a  conhecer, além de detalhes da atribulada vida de Luís Gomes da Mata e da sua  ingratidão para com o seu irmão, a necessidade que houve antes da Restauração  Portuguesa, da ida do sobrinho do Correio-Mor António Gomes da Mata a Madrid,  para garantir a sucessão do ofício a Luís Gomes. Isso, de certa forma, vem  demonstrar que no período filipino o Correio-Mor, apesar de possuir amplos  privilégios e isenções, não deveria contar somente com o que estava estipulado  na carta de compra do ofício. Não nos esqueçamos porém, que não muito tempo  antes, Cristóvão de Sousa Coutinho ainda pleiteava os seus direitos na sucessão  do cargo, conforme vimos no início deste capítulo.
            Outro dado muito importante que  ficou revelado, foi a resistência oferecida pelo Conde de Odemira à venda do  ofício de Correio-Mor das Cartas do Mar a Luís Gomes da Mata. Na nossa opinião,  isto poderia reflectir uma disputa entre o Conselho da Fazenda (que em última  instância decidiu sobre a venda do ofício) e o Conselho Ultramarino, Tribunal  este, a quem competia julgar as questões respeitantes ao Ultramar e do qual o  Conde de Odemira foi presidente entre 1651 a 1661. 
            Finalmente, o facto da Rainha  Regente, D. Luísa de Gusmão, condicionar a nomeação de Assistentes do  Correio-Mor nas colónias à aprovação destes pelo Conselho Ultramarino, poderia  significar uma solução de consenso na disputa de jurisdição entre estes dois  importantíssimos Conselhos régios.
[1] História de Portugal, vol. V, Lisboa,  Ed. Verbo, 1980, pp. 74 a 76.
[2]  ANTT, Ministério do Reino, livro 163, fls. 209v e  210.
[3]  Idem, fl. 223v.
[4] Op.  cit., p. 180.
[5] O  grifo é nosso.
[6]  ANTT, Ministério do Reino, livro 163, fl. 135.
[7] Op.  cit., p. 181.
[8]  Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), cód. 211, fls. 274 e  274v.
[9] O  grifo é nosso.
[10]  ANTT, Ministério do Reino, livro 163, fl. 60v.
[11] Não  nos foi possível encontrar o registo original deste decreto, sendo o conteúdo do  mesmo baseado numa sentença publicada por Manuel Alvares Pegas in Comentaria ad Ordinationes Regne  Potugaliae..., Tomo VII, Lisboa, 1701, pp. 507 e  508.
[12] Op.  cit., p. 507.
[13]  Joaquim Veríssimo Serräo, op. cit., vol. V, pp. 36 e  37.
[14]  ANTT, Cortes, maço 8 doc. 4.
[15]  Idem.
[16]  Manuel Alvares Pegas, op. cit., pp. 507 e 508.
[17] Não  nos foi possível encontrar nada a respeito tanto da sentença referida, como das  pessoas envolvidas.
[18]  Pegas, op. cit., p. 508.
[19] Na  verdade avô.
[20]  Op. cit., p. 508.
[21]  Idem.
[22]  ANTT, Ministério do Reino, livro 164, fl. 128v.
[23]  BUC, manuscrito nº 1489.
[24]  ANTT, Ministério do Reino, livro 164, fl. 142v.
[25]  Como exemplo, um decreto de 11 de Setembro de 1662:
                "Em uma petição do Correio-Mor sobre uns  navios que vieram de Itália, traziam cartas e bulas lhas não entregaram. O  Conselho da Fazenda ordene se faça justiça ao suplicante em conformidade da sua  carta e minhas ordens, cometendo a execução ao Ministro que lhe parecer."  (ANTT, Ministério do Reino, livro 166, fl. 143).
[26]  ANTT, Ministério do Reino, livro 164, fls. 19v e 20.
[27]  Tratam-se das despesas dos correios feitas pela Coroa e que devido à guerra,  eram sempre difíceis de serem pagas em dia.
[28]  Godofredo Ferreira, Velhos Papéis do  Correio, pp. 90 a 94.
Sem comentários:
Enviar um comentário