Como já foi referido no capítulo anterior, Luís Gomes da Mata teve seu regimento para o ofício de Correio do Mar passado em 9 de Junho de 1657. De acordo com a Rainha Regente, D. Luísa de Gusmão, "que por justas considerações de meu serviço, na segurança das conquistas e bem do comércio de meus reinos e a petição dos homens de negócio deles:[1] houve por bem instituir um ofício de Correio-Mor do Mar e uni-lo ao de Correio-Mor da Terra, pela conveniência que tem um com outro, como mais largamente se contém na carta que dele mandei passar a Luís Gomes da Mata, Correio-Mor deste Reino e porque é necessário dar-se-lhe regimento; ordeno e mando que o dito Correio-Mor do Mar presente e os que lhe sucederem, usem do regimento e modo por que se serve o ofício de Correio-Mor da Terra e com os mesmos privilégios, preeminências, jurisdição e direito que ao Correio-Mor do Mar se possam aplicar, que tudo hei por declarado, como se de tudo fizera expressa menção".[2]
Este regimento era composto por oito parágrafos (ou artigos) onde logo no primeiro, é definido o seu alcance e jurisdição assim disposto:
"O Correio-Mor do Mar enviará e receberá todas as cartas que forem e vierem para qualquer e de qualquer parte fora deste reino, assim ilhas e conquistas dele, como dos reinos e províncias estrangeiras em Europa e fora dela, excepto as cartas da Índia Oriental, porque essas ficarão livres para irem e virem como até agora, sem se incluírem em maneira alguma neste ofício."
O facto de haver a exclusão das correspondências com a Índia, julgamos ser devida ao Correio-Mor não querer arcar com a responsabilidade do envio de navios de avisos àquele Estado, conforme se depreende no parágrafo 5º, onde determinava:
"Querendo eu ou meus Ministros, alguma embarcação para mandar algum aviso a qualquer parte,[3] será obrigado a dá-la pronta como dá os correios da terra, pagando-se-lhe o que fôr justo de minha fazenda."
Para a melhor compreensão desse argumento, não nos devemos esquecer que na época da venda do ofício de Correio-Mor do Mar em 1657, encontrava-se Portugal não só no mais aberto conflito com a Espanha (tendo ocorrido a tomada de Olivença pelos espanhóis em Abril daquele ano) como também estava em estado de guerra com os holandeses, onde os mesmos mantiveram bloqueada a barra do Tejo durante o Verão de 1658. Nesse sentido, acreditamos que o Correio-Mor não quisesse ficar com a obrigação de cumprir os frequentes pedidos de apresto de embarcações de aviso à Índia, numa época em que naquele Estado, segundo o Prof. Oliveira Marques:
"Depois da Restauração, os desastres acentuaram-se e aceleraram-se visto que o governo era obrigado a organizar a resistência na Metrópole e dificilmente se podia permitir o envio de quaisquer reforços [ao Oriente ...].
É preciso acentuar que o governo de Lisboa fora obrigado a uma escolha decisiva nas décadas de 1640 e 1650, a fim de salvar alguns quinhões fundamentais do Império. A escolha consistira em abandonar a Ásia a favor do Brasil e suas partes complementares africanas. Os portugueses deram-se conta de que não tinham forças para resistir em todo o mundo. Acertadamente, escolheram a parte mais promissora, aquela onde a colonização branca se difundira com carácter definitivo e permanente, e onde os benefícios comerciais podiam rivalizar com os proventos em declínio do Oriente."[4]
Portanto, não foi por acaso que a jurisdição do ofício de Correio-Mor do Mar coincidia justamente com esses limites geográficos dentro do Império Colonial Português. Assim, muito provavelmente, foi por opção do próprio Correio-Mor que as cartas da Índia Oriental ficaram de fora do ofício. Ainda e como reforço à comprovação desta hipótese, temos as inúmeras ordens existentes dos monarcas portugueses ao Conselho da Fazenda durante a Guerra da Restauração, ordenando o apresto de vários navios de aviso, como de correios por terra, para o Estado da Índia. Curioso será notar que estes "avisos" se traduziam, na sua grande maioria, em promessas de socorro que nunca se chegaram a concretizar efectivamente. Eram afinal e apenas, mensagens de incentivo e de esperança. Veja-se como exemplo disso o texto do decreto de 3 de Outubro de 1657, onde se ordenava:
"O Conselho da Fazenda faça aparelhar um patacho para ir de aviso à Índia, porque conforme as notícias que há, é muito necessário enquanto não vai o socorro que àquele Estado há mister alentá-lo com as esperanças dele. E esta diligência hei por muito encomendada ao Conselho."[5]
Como também, o decreto de 27 de Setembro de 1661, onde dizia:
"Tenho resoluto enviar nesta monção à Índia, uma caravela ligeira com aviso do casamento[6] e nova aliança Del Rei da Grã-Bretanha, meu bom irmão e primo; com a nova do estado da paz de Holanda, e de como fico tratando de mandar Vice-Rei com poder bastante para animar e socorrer àqueles vassalos. O Conselho da Fazenda faça logo prevenir esta caravela se houver para isso tempo e também um correio que vá por terra achando-se com as conveniências necessárias."[7]
Como vimos no capítulo anterior, a principal motivação para a criação do ofício de Correio-Mor do Mar, foi justamente a obtenção de recursos para o socorro à Índia. Não deixa de ser uma ironia que aquele Estado ficasse de fora dessa iniciativa, ou mesmo uma sorte para os seus moradores, como ainda veremos no decorrer deste capítulo ao falarmos da resistência dos colonos ao dito ofício.
No referido regimento, ainda se dispunha dos seguintes artigos:
"Para receber e enviar as ditas cartas que lhe pertencem, poderá ter uma falua à sua custa, a qual não chegará às embarcações que virem, sem primeiro estarem nelas guardas da alfândega como é costume e regimento dela; e nenhuma pessoa de qualquer qualidade, condição e ofício que seja, de paz ou guerra, natural ou estrangeiro, haverá a si as ditas cartas nem as tirará dos navios, sob as penas conteúdas neste ponto pela carta e regimento do ofício de Correio-Mor da Terra.
Terá cuidado de saber as embarcações que estão para partir para qualquer parte e fará pôr na sua porta edital disso, para que as pessoas que quiserem o saibam e possam escrever, e ele mandará aviso particular aos meus Secretários de Estado, Expediente, Guerra e Fazenda, e aos Tribunais de minha corte para que o tenham entendido e isto mesmo farão os Assistentes que há de ter nos portos marítimos deste reino e das conquistas (excepto nos da Índia Oriental, que ficam exceptuados), avisando aos Governadores ou Ministros maiores das partes em que assistirem.
Ordenará que os sacos das cartas que forem deste reino e vierem para ele nas embarcações, se lancem ao mar sendo elas tomadas de inimigos e que para que logo vão ao fundo, tragam algum peso.[8]
Haverá de porte de uma carta, vinte réis, e os mesmos vinte réis haverá de qualquer maço em que venham quatro folhas de papel e vindo mais, será o porte a esse respeito. Porém, dos breves e bulas que vierem de Roma, se lhe pagará o porte a peso, contando por cada onça, trinta réis.
Se por certidão do Assistente que tiver em qualquer parte, constar que até ali pagou porte de alguma carta ou papel que viesse de outra parte para a enviar a este reino, se lhe pagará também o que tiver pago o dito seu Assistente.
As listas e tudo o mais necessário para as cartas serem dadas com brevidade e segurança, fará na forma que se usa no ofício de Correio-Mor da Terra e para que no sobredito não haja dúvida, o mandarei advertir assim aos Cônsules e Ministros das nações estrangeiras para que tudo se execute; e mostrando o tempo que é necessário ou conveniente, acrescentar-se ou diminuir-se alguma coisa neste regimento, o mandarei fazer, contanto que em tudo o que fôr justo, conservarei o direito que fica adquirido ao dito Correio-Mor do Mar, pela mercê que agora lhe faço e o dito acrescentamento ou diminuição se fará sem seu prejuízo, enquanto o permitir o bem comum e a justiça."[9]
Com este regimento do Correio-Mor do Mar e as outras cartas e regimento do Correio de Terra, já atrás referenciados, completa-se assim uma panorâmica da legislação básica deste ofício. Fica-se desta forma, com uma noção mais clara dos amplos poderes e jurisdição do Correio-Mor do Reino, que passou então a deter o monopólio postal do Império Português, exceptuada a Índia.
[1] Refere-se, com certeza, ao requerimento dos mercadores quando da criação do ofício de Assistente das Cartas do Ultramar na pessoa de João Nunes Santarém, já referenciado no capítulo anterior.
[2] AHU, Reino, maço 33.
[3] O grifo é nosso.
[4] História de Portugal, pp. 198 e 199.
[5] ANTT, Ministério do Reino, livro 164, fl. 139.
[6] Trata-se do casamento de D. Catarina de Bragança, irmã de D. Afonso VI, com o rei da Grã-Bretanha Carlos II.
[7] ANTT, Ministério do Reino, livro 165, fl. 128v.
[8] Preocupação essa fundamental em tempo de guerra, como se encontrava Portugal.
[9] AHU, Reino, maço 33.
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