terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Introdução

Normalmente, os trabalhos existentes sobre a história dos correios nos outros países, começam invariavelmente com uma introdução geral que consiste na justificação da sua importância social e da sua longa evolução no tempo e no espaço. Historiam praticamente desde a pré-história, através da comunicação oral e das inscrições rupestres, passando pela antiguidade, onde se relatam as várias formas de comunicação à distância desenvolvidas por quase todas as civilizações, até chegar a Idade Média, ou mais precisamente em fins dela, no século XV.[1]

Apesar deste alargado entendimento do que consiste ser um serviço postal, parece-nos que melhor será definirmos primeiro o conceito de correios no sentido mais próximo do que hoje o conhecemos, ou seja, como uma instituição pública que se caracteriza basicamente pela recepção, transporte e distribuição de correspondências, encomendas e valores, através do pagamento de uma certa taxa. Desta forma, conceituar o que seja um serviço de correios na Época Moderna – entre os séculos XV e XVIII – reveste-se duma importância fundamental para que este serviço não seja confundido com a simples troca de mensagens escritas ou orais, efectivadas em quase todas as fases da civilização humana pelo mundo a fora.

Assim sendo, o que normalmente é caracterizado como aquele serviço antes do século XV, está na realidade muito mais identificado com a primária necessidade humana de se comunicar à distância através de um suporte escrito ou de uma terceira pessoa, de que são exemplos os cursus publicus romanos e os arautos das cortes medievais. Este processo de comunicação, sempre existiu em praticamente todos os povos e em todas as épocas, onde facilmente se identificarão espécies de “correios” mais ou menos organizados. Outrossim, esses serviços cumpriam em regra apenas uma necessidade de índole oficial ou corporativa, destinado sempre a servir um grupo social específico e não a generalidade da população.

O serviço de correios, como agora o conhecemos, tem a sua origem no desenvolvimento comercial surgido a partir da Baixa Idade Média, bem como no processo de centralização política que então se verificava em diversas regiões da Europa. Além disso, com a maior disseminação da escrita e da evolução dos seus suportes, através do advento do papel e da invenção da imprensa, vieram revolucionar os meios de transmissão de ideias que tanto ajudou na divulgação dos valores humanistas da civilização cristã ocidental da época do Renascimento. Nesse sentido, o que caracterizará o serviço de correios na Época Moderna, será justamente a organização de um circuito mais ou menos regular de transporte de correspondências, valores e pequenas encomendas ao alcance da população em geral, através de um “correio público”. Na sua origem, o serviço postal foi normalmente delegado por concessão régia a um particular – o Correio-Mor –, onde o mesmo passava a possuir o privilégio para a sua exploração através da criação de uma infra-estrutura de recepção, transporte e distribuição de objectos postais. Todavia, ocorreu também que algumas corporações mercantis, religiosas ou universitárias, tomassem a si a organização duma estrutura postal independente da iniciativa régia e que acabaram por tornarem-se em focos geradores de conflitos contra os direitos e privilégios outorgados aos Correios-Mores.

Nessa perspectiva, será somente com a possibilidade de acesso a esse serviço por parte de um público mais diversificado e não só ao emprego do Estado ou de uma corporação, é que se poderá definir a existência ou não de um sistema de correios efectivo. Por outro lado, a falta de uma organização postal nunca impedirá a comunicação à distância entre as pessoas, principalmente a partir do século XVI, mas sim a sua limitação pela inexistência de canais regulares para a sua difusão. Assim sendo, não será por mero acaso que foram criadas a partir das principais cidades europeias integradas em importantes rotas comerciais, as primeiras linhas de correios que mais se aproximam do que hoje conhecemos como tal. Um maior intercâmbio comercial, pressupõe uma maior e melhor regularidade nas comunicações postais para a difusão das notícias de ordem política, económica ou familiar, necessárias a um melhor atendimento das demandas e necessidades mercantis. Em suma, segundo observou Fernand Braudel,[2] no século XVI: “A notícia, mercadoria de luxo, vale mais do que pesa em ouro”, sendo o seu valor variável conforme a maior ou menor duração do percurso.[3]

Dessa forma, dentre as primeiras organizações postais criadas na Europa no início do século XVI, em pleno renascimento e no meio de uma verdadeira revolução comercial, destaca-se a organização da família Tour e Taxis, que uniu postalmente todo o velho continente, através do vasto império da casa dos Habsburgos, chegando ao seu auge durante o reinado do Imperador Carlos V.

Francisco de Taxis, foi o grande impulsionador deste sistema. Nascido em 1459, em 1490 se estabeleceu em Malines, na actual Bélgica, sendo mais tarde nomeado no ano de 1500, Mestre dos Correios da Corte do Imperador Maximiliano. Por volta de 1516, Francisco de Taxis já tinha organizado uma grande infraestrutura postal que, partindo de Bruxelas – sede da Corte dos Habsburgos –, se ramificava por várias cidades onde possuía um parente como Mestre dos Correios, tais como em Insbruck, Trento, Saragoça, Roma, Veneza e Augsburgo. Desta forma, a maioria da correspondência que circulava desde Londres à Granada, como entre Antuérpia e Viena, passavam necessariamente pelos seus correios.[4] Assim sendo, será neste contexto que em Portugal se criará o Ofício de Correio-Mor do Reino.



[1] Como exemplos dentre muitos outros: Godofredo Ferreira, A Mala Posta em Portugal, Lisboa, 2ª ed. 1959; e Arthur de Rothschild, Histoire de la Poste aux Lettres, Paris, 2ª ed., 1873.

[2] Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II, 2 vols., Lisboa, Pub. Dom Quixote, 1983.

[3] Idem, vol. I, p. 412.

[4] Cf. Berthe Delepinne, Histoire de la Poste Internationale en Belgique sous les Grands Maitres des Postes de la Famille de Tassis,Bruxelas, 1952, pp. 22 e 32.

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