
            Em meados de 1532, morre Luís Homem  e por carta do então embaixador português em Madrid, Álvaro Mendes de  Vasconcelos, de 10 de Novembro de 1532, iniciava-se a corrida para a sucessão do  ofício de Correio-Mor do Reino com a muito curiosa recomendação do diplomata,  que escrevia ao rei dizendo: "António  Ribeiro chegou aqui ontem, sábado [...] parece-me este, muito bom servidor e mui  desviado dos outros correios, e porque me dizem que V. Alteza tem por prover o  ofício de Correio Maior, lhe lembro o que lhe já sobre isto escrevi, porque  conheço bem todos os que neste cargo podem servir e verdadeiramente senhor, de  nenhum confiaria tanto como deste, pelo que dele e de todos conheço e o ofício é  muito importante, mandando V. Alteza guardar a ordem que para o ofício e para  vosso serviço cumpre, porque a (...) a seguridade dos correios e avisos que é o  principal fora, sejam cada ano mais de dois ou três mil cruzados. V. Alteza  haverá e mandará fazer o que mais for servido."[1]  Apesar do empenho da recomendação, António  Ribeiro não logrou o intento, pois o escolhido foi o correio Luís Afonso, que já  atrás vimos passar por momentos difíceis no exercício da sua função de correio a  cavalo. 
            Pouco tempo depois, por cartas  régias de 20 de Dezembro de 1532 e de 13 de Janeiro de 1533, D. João III nomeia  Luís Afonso como Correio-Mor do Reino e lhe acrescenta um ordenado anual de  15.000 réis e a fixação do máximo de doze correios com os respectivos  privilégios e isenções, para o exercício do referido ofício. A importância dos  correios condutores parece óbvia, considerando a responsabilidade de suas  funções e dos privilégios que gozavam, tais como as isenções a certos impostos e  contribuições, bem como a faculdade de usarem das armas reais e de levarem  espada e punhal para a sua defesa.
            Luís Afonso, de longa data servia a  casa real. Em 1515 já servia como Moço de  Estribeira, onde eram normalmente recrutados os correios reais e em 1522 já  era correio a cavalo. Parece que desfrutava de particular confiança do monarca  D. João III, conforme se deduz da correspondência deste soberano com o seu  valido Conde de Castanheira, Vedor da Fazenda, donde transparece aquela especial  confiança em Luís Afonso. Senão, veja-se a seguinte  passagem:
            "Quanto ao que dizeis de António Vaz,  parece-me bem vir cá, para o mandar logo despachar com alguma mercê para a  Índia, para ir nestas primeiras quatro naus, como vos tenho escrito; e manda lá  Luís Afonso para vir com ele e olhar que se não possa ir para outra parte; e  tanto que cá fôr, o mandarei logo despachar com seu contentamento, para se ir à  Índia. Vós lhe direis que venha com Luís Afonso com as melhores palavras que vos  parecer e com ele mais seguro possa vir."[2]
            E para reforçar ainda mais a ideia  sobre a confiança daquela monarca no seu correio, fica a referência de Frei Luís  de Sousa nos seus Anais del Rei D. João  III na parte em que trata das negociações com Roma sobre o estabelecimento  do Tribunal do Santo Ofício em Portugal, onde dizia que "consta de uma carta escrita para a  Imperatriz em 25 de Setembro de 1531, que El Rei mandava Luís Afonso a Roma pelo  despacho para a Inquisição".[3]
            Com Luís Afonso, inaugura-se uma  nova fase da história dos correios portugueses com o início da primeira dinastia  postal lusitana, pois até ao final do século XVI, o ofício de Correio-Mor do  Reino permanecerá na descendência feminina de sua família, onde sua filha e mais  tarde a sua neta, levarão como dote no casamento o referido ofício. Isto porque,  como já foi dito, no sentido patrimonialista que é dado aos ofícios públicos no  antigo regime e de acordo com a doutrina jurídica daquela época, previlegiava-se  o direito consuetudinário, que consistia na espectativa de os filhos ou os  noivos das filhas, herdarem os ofícios dos pais, desde que estes os tivessem bem  servido e se verificasse a capacidade do sucessor para o desempenho do  cargo.[4] Para isso, bastava obter, em  época oportuna, um alvará de  lembrança que garantisse a sucessão.
            Durante a gestão de Luís Afonso,  ainda se conhece um incidente ocorrido em 1552 com Pedro Eanes, detentor de  cavalos de posta na Vila de Landeira, do qual se queixava aquele a D. João III  escrevendo que "fazia muitos agravos aos  correios que por ela passavam e não queria cumprir os escritos que levavam do  Correio-Mor e os rompia falando palavras descorteses."[5]
            Por alvará de lembrança de 6 de  Setembro de 1562, durante a regência de D. Catarina na menoridade de D.  Sebastião, ordenou-se "que por me pedir  Luís Afonso, Correio-Mor em meus Reinos e na cidade de Lisboa, e por confiar de  Francisco Coelho, seu genro, meu moço da câmara, que no dito ofício me servirá  com aquele recato, fidelidade e diligência que cumpre a meu serviço, e por a  ambos fazer mercê: hei por bem e me praz, que por falecimento do dito Luís  Afonso, fique ao dito Francisco Coelho, seu genro, o dito ofício de Correio-Mor  em meus Reinos e na cidade de Lisboa e lhe faço mercê para que o tenha e sirva  em dias de sua vida com o mantimento, ordenado, privilégios e liberdades, assim  e da maneira que ora tem o dito Luís Afonso, por provisão de El Rei meu senhor e  avô, que santa glória haja e por sua guarda e minha lembrança[6] lhe mandei dar este alvará pelo  qual, quando for tempo, lhe mandarei fazer provisões em forma do dito ofício,  conforme as que o dito seu sogro dele tem".[7] 
            Três anos depois, após a morte de  Luís Afonso, por carta régia de 20 de Setembro de 1565, é provido Francisco  Coelho como Correio-Mor do Reino, e por uma apostila de 13 de Maio de 1566 se  declara que "porquanto nesta carta atrás  escrita, está uma cláusula que diz que se não tolherá a qualquer pessoa que  quiser mandar algum recado ou cartas por algum criado seu, ou outra alguma  pessoa que não seja correio para qualquer parte que quiser: hei por bem e me  praz, por justos respeitos que me a isso movem, que se não use da dita cláusula  e em todo o mais se cumpra a dita carta como nela contém e assim esta  apostila".[8]  A revogação dessa faculdade que até aí se  dava aos particulares de renunciar ao uso exclusivo do correio para o transporte  de sua correspondência, vem afinal ao encontro da ideia de um maior reforço do  monopólio postal por parte do Correio-Mor, como também de uma melhor  estruturação do serviço, através de uma maior regularidade na condução das  cartas em geral. Consistia, com certeza, numa tentativa de coibir os abusos  decorrentes da proliferação de mensageiros particulares que  concorressem com o privilégio inerente ao ofício público de Correio-Mor do Reino.  
            Apesar da anulação da citada  cláusula, Francisco Coelho, que exerceu o cargo entre 1565 a 1577, ainda se viu  com problemas na administração do seu ofício, pois conforme o alvará de 20 de  Janeiro de 1575, D. Sebastião ordenava "que Francisco Coelho, meu Correio-Mor, me  enviou dizer que Luís Afonso, seu sogro, que também foi Correio-Mor  e ele Francisco Coelho, estiveram sempre em  posse, por razão do seu ofício, dos correios que iam destes reinos para fora  deles despachados com cartas e negócios de meu serviço ou de partes e os que  vinham de fora destes reinos, despachados para mim por meus embaixadores ou por  quaisquer pessoas que lá faziam meus negócios, lhe pagarem a dízima de todo o  dinheiro que se lhe dava para as viagens e que o mesmo se costumava pagar ao  Correio-Mor de Castela, de que apresentava uma certidão sua e que ora alguns  correios meus, de algum tempo a esta parte, se levantavam contra este direito  que lhe pagavam de torna viagem e lhe não queriam pagar; pedindo-me que mandasse  que lhe pagassem todos como sempre se fizera, e visto seu requerimento com  informação que sobre este caso mandei tomar pelo Licenciado Lourenço Corrêa do  meu Desembargo, Juiz dos Negócios de minha Fazenda, porque constou ser assim  como o dito Correio-Mor dizia e visto outrossim, uma sentença que apresentou  dada neste caso pelo Licenciado Gaspar da Nóbrega do meu Desembargo, que foi  Corregedor do Cível da cidade de Lisboa, em favor do dito Correio-Mor Luís  Afonso e a dita certidão do Correio-Mor de Castela: hei por bem e me praz, que  todos os correios que de fora destes reinos vierem despachados a mim por meus  embaixadores ou por outras pessoas que lá fizerem negócios de meu serviço,  paguem ao dito Correio-Mor, a dízima do dinheiro que lhe for dado para sua  viagem, assim e da maneira que pagavam os correios que desses reinos vão  despachados por mim para os ditos meus embaixadores e pessoas que fazem meus  negócios".[9]  E por uma apostila de 5 de Agosto do mesmo  ano de 1575, complementava dizendo: "E  tudo o que acima é dito, se cumpra assim nos correios como em quaisquer outras  pessoas[10] que vierem despachadas a mim de  fora destes reinos".[11]
            Em 10 de Junho de 1577, alcançou a  viúva do Correio-Mor, um alvará de lembrança "que havendo respeito aos serviços de  Francisco Coelho que foi meu Correio-Mor e assim de Luís Afonso, seu sogro, que  antes dele teve o dito ofício: hei por bem de fazer dele mercê a pessoa que  casar com uma das filhas do dito Francisco Coelho, neta do dito Luís Afonso,  qual eu nomear, sendo pessoa de que eu seja contente";[12]  e onde, pela confirmação por carta régia do  Cardeal   D. Henrique de 7 de Setembro de  1579, "que por parte de Manuel de Gouveia  me foi apresentado um alvará por que houve por bem fazer mercê do ofício de  Correio-Mor, que vagou por falecimento de Francisco Coelho, a uma de suas  filhas, com uma apostila por mim assinada por que eu houvesse por bem que  casando ele, Manuel de Gouveia, com Inês da Guerra, filha mais velha do dito  Francisco Coelho, a mercê conteúda no dito alvará houvesse nele efeito [...] e  por fiar dele que nas coisas de que o encarregar, me servirá bem e com o recato,  diligência que a meu serviço cumpre e por lhe fazer mercê, tenho por bem e o  dou, ora daqui endiante, por Correio-Mor de meus Reinos e desta cidade de Lisboa  [...] e haverá o dito ofício de mantimento e ordenado, vinte mil réis em cada um  ano a custa de minha fazenda".[13]
            Obtém assim Manuel de Gouveia, no  início da sua administração, um aumento de 5.000 réis de "mantimento e ordenado" em relação aos  seus antecessores. Mas, por pouco tempo conseguirá exercer tranquilamente o seu  ofício, pois que a entrada do Duque de Alba em Lisboa em Agosto de 1580 e a  consequente união ibérica daí decorrente, faz com que assuma o ofício de  Correio-Mor em Portugal, um representante do Correo Mayor de Castela, Juan del Monte,  que exerce abusivamente o ofício durante a permanência de Filipe II e sua corte  em Portugal, entre Agosto de 1580 a Agosto de 1583. Somente em 4 de Outubro de  1592, conseguirá Manuel de Gouveia uma sentença favorável, após um longo  processo judicial contra D. Juan de Taxis, Correio-Mor de Castela, para a  compensação dos prejuízos sofridos durante a forçada ausência na administração  do seu ofício de Correio-Mor de Portugal.
            De acordo com a liquidação da  sentença[14] e as testemunhas arroladas "em o Rossio desta Cidade de Lisboa, no  escritório do ofício do Correio-Mor [...] o que deduziu neles, foi que o réu  [Correio-Mor de Castela] por seu assistente, Juan del Monte, entrou a servir o  dito ofício desde o mês de Agosto do ano de oitenta e o servira até o mês de  Agosto de oitenta e três, que são três anos e isto afirmam assim todas as  testemunhas do autor[15] [Manuel de Gouveia ...]. Prova  mais, que desde os anos que entrou ele autor a servir o dito ofício, lhe importa  o rendimento dele, três mil cruzados cada ano[16] [...] e dão as ditas  testemunhas razão de seus ditos, por verem fazer a conta pelos livros e por  saberem que no dito ofício pertencem as décimas de todo o dinheiro que se dá aos  correios de pé e de cavalo, assim aos que vão em serviço de Sua Majestade, como  de partes.
            E assim lhe pertencem mais, as  entradas e as apresentações de todos os correios, e os trinta por cento que o  réu, por composição [com o autor] lhe paga de todas as cartas que vão para  França, Itália e mais partes de Espanha, excepto Madrid [...] prova [também] que  no tempo que o réu lhe usurpou o dito ofício, era de muito mais rendimento,  porque estando aqui Sua Majestade, os negócios eram muito mais e se expediam  correios ordinariamente para todas as partes de Castela e Itália, França,  Flandres e para todo este reino e do Algarve, como afirmam todas as testemunhas.  [...]
            E acrescenta mais, que posto que  haja agora um ordinário[17] cada semana, muito mais  importavam os dois que então naquele tempo iam cada mês para Itália que não  estes que vão cada sábado a Madrid, porque os gastos dos de Itália são dobrados  e tem outros muitos percalços e além disso, em lugar deste ordinário de hoje,  havia então cem mil (sic) extraordinários por maneira que era tanto o negócio e  os correios tão contínuos, que importava ainda o dito ofício muito mais, [...]  conforme a isto, deve vossa mercê mandar que se faça a conta, principalmente  porque, vendo-se o réu convencido e como o autor não pedia senão menos do que  lhe pertencia, não contrariou [...] e vendo que era muito melhor pagar a razão  de três mil cruzados por ano, que não fazer-se a conta pelos seus livros do que  recebera em cada um ano estando aqui Sua Majestade e, portanto, pois o autor se  satisfaz com os ditos três mil cruzados à razão deles, deve vossa mercê mandar  que o contador faça conta do que se monta nos ditos três  anos.
            Lembre-se mais, que dado o caso que  naquele tempo não houvesse ordinário para Sevilha, era tanto o negócio para lá e  para toda a Andaluzia, que importava muito mais, como afirmam todas as  testemunhas".[18]
            Com a morte de Manuel de Gouveia  alguns anos depois, em 1598, chegava ao fim a primeira dinastia postal  portuguesa. Com a venda do ofício em 1606 à Família Gomes da Mata, terá então  início uma nova e derradeira dinastia postal.
[1]  Idem, "O Correio e o Estabelecimento da Inquisição em Portugal" in Coisas e Loisas do Correio, Lisboa, CTT,  1955, p. 130.
[2]  Idem, p. 127.
[3]  Idem, p. 128.
[4] Cf.  Hespanha, op. cit., pp. 384 e segs.
[5]  Godofredo Ferreira, Dos  Correios-Mores..., p. 20.
[6] O  grifo é nosso.
[7]  Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante ANTT), Ministério do Reino, maço  634.
[8]  Idem.
[9]  Idem.
[10] O  grifo é nosso.
[11]  Idem, doc. cit.
[12]  Idem.
[13]  Idem.
[14]  Biblioteca da Universidade de Coimbra (doravante BUC), manuscrito nº 1489. A  Biblioteca e Arquivo Histórico da Fundação das Comunicações, possui uma cópia  feita por Godofredo Ferreira.
[15]  Serviram de testemunhas: Manuel da Fonseca, António Rodrigues, Francisco Gusmão  e António de Cabanas, todos correios a cavalo; Francisco Lourenço, criado do  Correio-Mor e Simão Luís, que servia como Tenente do  Correio.
[16] É  interessante notar que o valor estimado para o rendimento anual do ofício é  muito aproximado da avaliação que fez o embaixador português em Madrid em 1532,  Álvaro Mendes de Vasconcelos, quando da recomendação de um sucessor para Luís  Homem (vide p. 11).
[17] A  denominação de correio ordinário  significava a partida de correios regulares em dias certos, onde se diferenciava  do correio extraordinário que só  partia em ocasiões especiais que justificassem a sua  necessidade.
[18]  Idem, doc. cit.
1 comentário:
Estimado Sr. Machado:
Espero que me entienda ya que le escribo en Espanol. Disfrute mucho el articulo sobre la historia postal en Portugal, sobre todo en el siglo XVI. Uno de mis antepasados fue Juan del Monte, teniente de correo mayor del rey Felipe II. Nunca supe que estuvo en Portugal y que fue "Correio-Mor do Reino" desde 1580 ahasta 1583. Como podria yo obtener mas informacion o copias de documentos sobre Juan del Monte en Portugal? Gracias anticipadas por su respueta. Atentamente.
Dr. Heriberto A. Tejeda del Monte
Corpus Christi, Texas, USA
email: tejhea@yahoo.com
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